sexta-feira, 4 de setembro de 2015



Eram exatamente nove horas da manhã.
Acordei do susto de mais um dos pesadelos recorrentes de noites mal dormidas.
O peito palpitando, suor frio, a ansiedade de sempre.
Sem fome pro café, o silêncio e a cama atolada de coisas que tentam evitar ausências.
A casa estava cheia de buracos fundos, tinha uma espécie de horror escorrendo deles.
Estava insuportável olhar em volta, tudo era de um oco sem fundo, sem eco
Subi ao andar ainda inacabado, tudo cheirava a desespero e bituca de cigarros.
As mãos trêmulas como sempre tinham uma necessidade estranha, um impulso.
Avistei uma pá.
Rasguei um saco de cimento e comecei misturar a massa.
Instinto.
Tudo tinha de ser tampado, a estrutura estava completamente danificada.
Tudo havia sido acumulado nos buracos que também se acumulavam em quantidades assustadoras.
Nuca tinha feito cimento, não me entendo com misturas, mas algo me gritava o ponto exato capaz de estancar tudo.
Primeiro os restos dos cigarros fumados, foram muitas pás necessárias, afinal muito fôlego saia de um peito chaminé.
Fui cimentando principalmente todos os maços ainda não fumados, era primordial não precisar mais deles.
Deixei a prataria intocada da casa perfeita, rebocada em uma nova cozinha, agora sem buracos.
Na sala os bibelôs, as flores, as fotos onde não me reconhecia, as poltronas onde fui feliz.
Avancei veloz pro quarto onde existia o buraco mais profundo.
Fui jogando as coisas acumuladas na cama de ausências, os objetos trazidos por quem não tinha motivos.
Enfiei junto o livro de poemas, o outro que refletia tão lindamente sobre casamento, aquele que um dia comecei a ler acompanhado.
Comecei então a vomitar todos os bilhetes e cartas que nunca foram entregues e a esperança de receber as que nunca vão vir.
Piercings que nunca pertenceram ao meu corpo, fotos nunca tiradas.
Palavras que martelavam da boca de outros em minha cabeça.
Uma bermuda esquecida que nunca saía da última gaveta de uma cômoda de recordações.
Em agonia, afundei a cômoda inteira com uma nova remeça de cimento, tinha lembranças demais.
Um bêbado que cismava em ser meu filho se debatia num dos buracos, nada que o tempo não petrificasse.
Junto com ele a violência, a culpa e todos os aplicativos telefônicos que de nada serviram, a não ser pela culpa.
A bicicleta que só me levava ao mesmo endereço.
Enxerguei um calendário onde todos os dias eram 23 de agosto, misturei com o concreto.
Entulhei Divas do PoP, Drag Queens e um mapa astral que comparava virgem e leão.
Vários sapatos de saltos muito finos que perfuravam um amor puro.
Esse mesmo amor tenho que rebocar várias vezes, muitas são as camadas diárias.
Olhei em volta, tudo cinza e com rachaduras lindas, prontas para explodir.
Cimento e glitter de várias cores numa lápide dizendo: Volte Sempre...

Um comentário:

  1. parte de mim entende e tudo bem mas a outra fica e quer saber mais não se despede kkk ayyy beijos

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